Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em Adolescentes com Histórico de Abandono Paterno por Uso de Substâncias

Autor: Andriano Martins
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é uma condição psiquiátrica caracterizada por sintomas persistentes relacionados à revivência de um evento traumático, esquiva de estímulos associados ao trauma, alterações cognitivas e afetivas, e hiperatividade autonômica. Em adolescentes, sua expressão clínica está frequentemente ligada a experiências de adversidade precoce, como violência doméstica, negligência e abandono parental, especialmente quando há comorbidade com transtornos por uso de substâncias na família.
Neste artigo, discutiremos os impactos do abandono paterno precoce — motivado por envolvimento com drogas — no desenvolvimento do TEPT em adolescentes, com base em evidências clínicas, neurobiológicas e psicossociais.
A experiência traumática do abandono
O abandono parental, sobretudo nos primeiros anos de vida, configura uma quebra abrupta nos vínculos de apego primário, considerados essenciais para o desenvolvimento emocional saudável (Bowlby, 1989). Quando esse rompimento é mediado pelo uso abusivo de substâncias psicoativas por parte do genitor, o ambiente familiar se torna um espaço de insegurança, inconstância e, muitas vezes, violência.
Estudos indicam que crianças expostas ao uso de drogas por cuidadores apresentam maior risco de sofrer negligência emocional e física (Brasil, 2004), o que intensifica a vulnerabilidade psíquica. A ausência de suporte emocional adequado nos primeiros anos de vida pode resultar em alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsável pela regulação do estresse, tornando o indivíduo mais reativo a situações adversas (Perry & Szalavitz, 2017).

Prevalência e expressão do TEPT na adolescência
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE/IBGE, 2019), 19,6% dos adolescentes relataram já ter vivenciado alguma forma de violência doméstica. Estima-se que entre 4% e 6% dos adolescentes brasileiros apresentem sintomas compatíveis com TEPT (Silva & Tavares, 2005), sendo o abandono e a negligência emocional preditores importantes.
A manifestação do TEPT nessa fase da vida pode envolver:
- Sintomas intrusivos: pesadelos recorrentes, flashbacks, pensamentos invasivos.
- Evitação: afastamento de atividades, pessoas ou locais que remetam à figura paterna.
- Alterações cognitivas e de humor: sentimentos persistentes de culpa, vergonha, raiva, sensação de inutilidade.
- Reatividade aumentada: irritabilidade, explosões de raiva, dificuldade de concentração, hipervigilância.
Além disso, há um risco elevado de comorbidades como Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Conduta e uso precoce de substâncias psicoativas.
O papel do contexto psicossocial
A literatura aponta que o risco de TEPT aumenta significativamente quando a criança, além de vivenciar o abandono, permanece em contextos de pobreza, violência urbana, instabilidade familiar e ausência de figuras substitutas de apoio afetivo (Dell’Aglio & Koller, 2006).
A figura materna ou outros cuidadores estáveis podem atuar como fatores protetores, auxiliando na regulação emocional e na reconstrução simbólica da perda. A escola, nesse cenário, também pode funcionar como ambiente terapêutico secundário, desde que educadores estejam sensibilizados para sinais de sofrimento psíquico.

Abordagens terapêuticas e recomendações
O tratamento do TEPT em adolescentes deve contemplar:
- Psicoterapia baseada em evidências, como Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com foco em trauma, EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares) e Terapia de Exposição Narrativa.
- Intervenções familiares, visando fortalecer vínculos e redes de apoio.
- Atuação interdisciplinar, envolvendo psicólogos, assistentes sociais, educadores e profissionais da saúde.
A escuta qualificada, a validação do sofrimento e o trabalho de ressignificação da experiência traumática são elementos centrais no processo terapêutico.
Conclusão
O abandono paterno na primeira infância por motivos ligados ao uso de drogas constitui um fator de risco significativo para o desenvolvimento de TEPT na adolescência. A intervenção precoce e o apoio psicossocial são essenciais para mitigar os efeitos do trauma, promover resiliência e prevenir o agravamento do sofrimento psíquico. Profissionais da saúde mental e da educação devem estar atentos aos sinais de trauma complexo e trabalhar de forma articulada para garantir o desenvolvimento integral desses adolescentes.
Referências Bibliográficas
- Bowlby, J. (1989). Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas.
- Brasil. Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental de crianças e adolescentes: políticas públicas e a rede de atenção. Brasília: Ministério da Saúde.
- Dell’Aglio, D. D., & Koller, S. H. (2006). Adolescência e violência: aspectos biopsicossociais e estratégias de intervenção. Psicologia em Estudo, 11(3), 559–567.
- Perry, B. D., & Szalavitz, M. (2017). O menino criado como cachorro. São Paulo: Edições Paulinas.
- Silva, C. F., & Tavares, J. (2005). Transtorno de Estresse Pós-Traumático em adolescentes: revisão da literatura. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 1(1), 57–66.
- IBGE. (2019). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Rio de Janeiro: IBGE.
- Fonseca, R. M. G. S., & Sena, R. R. (2002). Família, drogas e violência: interfaces e desafios para o cuidado de adolescentes. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 10(3), 372–377.
"Ser gentil com você mesma é parte da cura."

Autor:
Andriano Martins
CRP:05/55017
Especialista em Neuropsicologia e Psicologia Clínica.